A Velha Barrageira

No ultimo dia 15 foi aniversário da linda cidade de Ilha Solteira, a mesma onde nasci, cresci, vivo até hoje e amo, mas nenhuma homenagem por parte do Blog do Alex foi prestada, ou até mesmo uma lembrança, para que seus 43 anos não passe em branco, resolvi postar aqui a história da Velha Barrageira contada por Oldack Mendes. Confira abaixo:


Diz a lenda, entre os barrageiros, que uma velha sempre aparecia entre os trabalhadores. Uma senhora de idade avançada (aparência de mais de 80 anos) que surgia misteriosamente nas avançadas horas para trabalhadores como vigias, operadores de máquinas pesadas, motoristas,  etc. Aparecia sempre para uma pessoa que estivesse sozinha. Sua aparição para um trabalhador nunca deixou testemunha. Por isso muitos acreditam que se tratava de uma fantasia provocada pelo cansaço ou então pelo medo do sobrenatural, como sempre acontece. Mas o interessante é que a descrição da figura em questão era sempre a mesma... Pessoa idosa, humilde, vestida com roupas simples mas sempre limpa. Enfim uma pessoa como muitas outras que habitavam aquelas paragens nos anos 50 e 60. Entre os barrageiros dizia-se que se tratava de uma senhora que morava naquelas matas na companhia de um filho, homem de mais ou menos 50 anos.

A região, nos meados do século passado, era ocupada por grandes proprietários cujas posses eram de legalidade duvidosa. Não sabiam quanto tinham de terra, nem onde eram exatamente as divisas de cada um. Região coberta por uma mata de transição (mata atlântica e cerrado propriamente dito). Com grandes ipês, paineiras imensas, peroba rosa e muitas, mas muitas mesmo, como ainda hoje,  aroeiras. Pecuaristas da Alta Sorocabana tinham como famosas as aroeiras da região de Pereira Barreto. Terra, madeira, água, peixe e caça tinha pra quem quisesse. Os fazendeiros acabavam deixando os compadres e conhecidos fazerem seus ranchos de pau a pique em local onde houvesse  água fácil. Quando tinha o que fazer (derrubadas, cercas), trabalhavam pro fazendeiro. Quando não, tocavam seu próprio roçado. Plantavam milho, arroz, feijão, mandioca. Criavam uns porquinhos, galinhas, e às vezes até umas cabeças de gado pra garantir  fartura de leite.Conta a lenda que assim vivia aquela família naqueles ermos. Até que no final dos anos 50 e início dos 60, entra um outro personagem na história. O Governo. O progresso tinha necessidade do aumento da produção de energia elétrica. O Paranasão, o Tietê, o S. José dos Dourados entravam com uma matéria prima barata e limpa : água. A região de Urubupungá começou a aparecer nas manchetes dos grandes jornais e nas conversas ao pé do fogo dos matutos daquela região. Como, quem conta um conto aumenta um ponto, dá pra se imaginar o que se ouvia ali nas conversas de compadres e conhecidos, além do som de uma violinha humilde e teimosa. Comentava-se que o governo ia desapropriar toda a região, pagando aos fazendeiros "aquilo que a lei determinava" e, aos restantes... Bem aos restantes sobraria aquilo que até hoje sempre sobra...

Bem, até que um dia a conversa mudou de rumo. Apareceram jeeps com alguns trabalhadores e começaram a abrir pequenas picadas aqui e ali. Mais atrás, outros com aparelhos estranhos que ninguém tinha idéia como funcionavam. Pergutando ao dono das terras veio a resposta: "É gente!!!, ninguém segura o progresso!!!”. Bem!...e nós? Ah! Tem muita terra. Vocês vão pro lugar. Sim... Mas onde?... Naquela noite, ao pé do fogo, cada um tinha uma saída: Vou-me embora pra cidade, vou trabalhar com quem tirou a nossa moradia. Nesta obra que aí vem deve ter muito serviço...vou morar com um filho que trabalha numa fazenda na Sorocabana.

Mas o filho da nossa heroína não disse uma palavra. E segundo se conta, nunca mais ninguém ouviu nada de sua boca. Ficou triste. Muito triste. Tudo que se sabia era por intermédio de sua mãe, pessoa esperta, embora o adiantado da idade, gozava de grande prestígio, por se tratar de parteira extremamente experiente. Nosso amigo já não trabalhava mais, não cuidava das criações e não saía de um banquinho construído debaixo duma paineirona na porta do rancho. Até que um dia, acompanhado de seu fiel companheiro, saiu e nunca mais voltou. Dias depois volta o fiel companheiro, mas trazia consigo apenas a tristeza de seu dono. Não comeu mais. Viveu pouco. Morreu. Passou pra sua dona aquilo que tinha trazido de volta de seu companheiro. A tristeza. Os vizinhos continuavam as buscas. Mas nem sinal. Nem sequer um galho partido que sinalizasse sua passagem... Até que um dia a parteira vizinha, "anoiteceu e não amanheceu. Alguns achavam que tinha ido trazer à, luz mais um habitante do sertão, como era seu costume. Mas nada... Os vizinhos se revezavam cuidando das criações, e quando a esperança deu sinal de cansaço, adotaram os animais e guardaram os poucos pertences que são próprios de um rancho de pau-a-pique... Aquela moradora da mata só voltou a ser lembrada quando algum trabalhador da obra via aquela figura estranha em momentos fora de hora. E continua até hoje. Quando a aparição misteriosa presenteia algum incrédulo ou medroso, a resposta é certa: É a Velha Barrageira!!! 

Pois bem... Algo estranho aconteceu comigo num tempo que eu nem sabia da lenda. E pouca gente sabia. Foi logo no início da construção da UHE de Ilha Solteira. Meados do mês de junho de 1970. Cheguei em ISA (Ilha Solteira) pra trabalhar no Setor de Educação, como professor de matemática, no dia 30 de março de 1970. Fui montado (esse realmente era o termo) num Jeep ano 1951, que era um verdadeiro cavalo "bardoso". Batizei-o de ROCINANTE, homenagem a um velho e histórico colega. Don Quixote de La Mancha. Tinha sido comprado à vista (com dinheiro que peguei emprestado do meu cunhado Hélio, que mantinha a quantia na poupança). Era o início do MILAGRE BRASILEIRO. Todo mundo sabe o que significa um camarada mudar para uma terra estranha e deixar uma noiva a 356 quilômetros de distância. Quase todo fim de semana estava na estrada. Tinha que viajar pelas quebradas porque não tinha CNH. Era percurso de terra (com muito areião) de Andradina a Tupi Paulista e de Dracena a Santo Anastácio. Gastava-se de 7 a 8 horas de viagem. Pois bem, de certa feita, nos meados de junho, saí às 10h de um sábado de ISA e cheguei a Rancharia (onde morava a noiva) às 16:30h. No dia seguinte (domingo), saí de Rancharia às 18h, esperando (se tudo corresse bem... Menos o ROCINANTE), chegar em ISA às 2h da madrugada. Era noite de lua cheia. A lua já passara um bom pedaço da posição de "a pino", o que me levava a concluir que já era bem mais de 1 hora da madrugada. Já estava com vontade de fazer xixi quando aportou também uma grande quantidade de sono. Já se podia ver as luzes de ISA, de vez em quando, e daí resolvi parar. Era o alto da Fazenda Sta. Pedrina. A iluminação da cidade embora um pouco longe, aliada à luz da lua, tornava a noite bem clara. Parei no acostamento, mas não desliguei o ROCINANTE (vai que depois ele não quisesse pegar). Fui fazer xixi do lado de trás, de modo que minha condução ficou entre mim e a luz  da cidade. Quando estava mais ou menos no meio do processo, eis que não sei porque o ROCINANTE afogou. Me surpreendi e virei a cabeça (mais por reflexo do que pra examinar o que tinha acontecido) e constatei que tinha uma pessoa ao volante.

Pelo tipo de cabelo (um tanto desgrenhado) tive a impressão de que era mulher de uma certa idade (Enfim , uma velha sentada ao volante). Correu-me um frio espinha abaixo (medo de assaltante ou assombração, uma vez que não tenho bom relacionamento com esses tipos), nem sei como terminei a tarefa fisiológica. Virei-me para constatar o óbvio. Nisso DEU-SE a partida e o ROCINANTE passou a funcionar com a mesma marcha lenta de costume: Boa...Mas o mais surpreendente é que já não tinha ninguém mais ao volante. No outro dia, contando o acontecido, a turma do então CIU (Colégio Integrado de Urubupungá) se dividiu: Metade achava que o Don Quixote verde amarelo estava mentindo e a outra  parte, mais séria (será que tinha alguém sério naquela turma) achava que era um processo de alucinação ocasionado pelo cansaço e pelo sono.
Oldack 01/12/009

via blog do oldack

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